REFLEXOS
Quando olho para dentro
E tento encontrar-me,
Vejo-me sempre no centro
De muitos eus a rodear-me.
Como numa sala espelhada
A mesma imagem refletida,
Em cada segmento transformada
Como partes da minha vida.
Apaixonado, magoado, perdido,
Deslumbrado, feliz, assustado,
Amado, maravilhado, ferido,
Chocado, iludido, cansado.
Ao contrário duma ilusão
Em sala de espelhos de feira,
Estes refletem o que são
Partes da forma mais verdadeira.
Numa viagem profunda
Vou revendo essas imagens,
Sigo o leito do rio da vida,
Descendo-o pelas suas margens.
Vejo a árvore com seus galhos,
Aos quais sempre estive ligado,
Agora ao ver os seus espinhos
Sei porque sempre estava magoado.
Mesmo o pomar que semeei,
Pensando que com amor crescia,
E assim sempre o cuidei
Mas só isso não chegaria.
Mas continuei a acreditar,
Ternura, beleza, felicidade,
Energia que só o amor pode dar,
Minha fonte de vida e verdade.
Só isso teria eu para dar?
Por isso tantas vezes acreditei.
Ou seria o que tanto queria alcançar?
E as mesmas tantas vezes errei.
Dói-me a alma e o coração
Por sentimentos que desdenho,
Ferido pela destruição
Dos eu, meu, quero e tenho.
Fujo como animal ferido,
Fujo de todos e de mim.
Fico perdido. Estou perdido.
Será que esta fuga tem fim?
Cada vez mais primitivo,
Mais perto do natural,
Cada vez mais instintivo,
Mais perto de ser animal.
Porque é o instinto animal
Que nos guia na natureza,
O que nos leva a fazer mal
Está no racional com certeza.
Terei que esquecer, desaprender,
Para estar bem comigo?
Para encontrar-me terei que desaparecer,
Ou estarei para sempre perdido?
Terei que partir os espelhos
E ver o meu reflexo na água,
Na margem deste rio, de joelhos,
Para afogar esta mágoa?
Receber a paz e aceitar,
Só entre as pedras desta margem,
Só, aqui, é o meu lugar,
Reflexo puro da minha imagem.