Quem sabe, sabe
Entrevista com o professor Jorge Pedro
Diz o povo que ‘vozes de burro não chegam ao céu’ e, por isso, quisemos ouvir uma opinião qualificada sobre o monumento evocativo da muralha de Aveiro, sito na rotunda da Sé. E quem melhor do que um arquiteto de formação e docente por vocação para nos proporcionar outras leituras? Desafiámos o professor Jorge Pedro a responder a três questões sobre o assunto. Ora lê.
Jornal Moliceiro: O que pensa do monumento evocativo da muralha de Aveiro?
Jorge Pedro: Conhecer e divulgar a história é muito importante, mas tenho-me questionado se, atualmente, não há uma sobrevalorização excessiva do seu lado mais pitoresco… ao ponto de se erguer uma ruína de algo que já não existia. Não procura ser uma tentativa disfarçada de reconstrução, felizmente. É uma escultura urbana e, assim, talvez pudesse ser algo menos colado à imagem de uma muralha e que permitisse a exploração de múltiplos significados.
No entanto, é importante olhar a obra a um nível urbano, incluindo a reformulação do adro da Sé, que considero muito positiva. Por outro lado, o enorme espaço vazio originado pela rede viária (avenida, rotunda e túnel) não valorizava os edifícios mais emblemáticos ali presentes. A implantação desta obra contribui, na minha opinião, para enquadrar e valorizar a Sé e o Museu. É mais um elemento a acentuar a complexidade de uma cidade rica e multifacetada.
Jornal Moliceiro: Acha que tem potencial de atração para os turistas?
Jorge Pedro: Ficaria surpreendido se viesse a tornar-se um ícone de Aveiro, mas o melhor é esperar para ver. As cidades são organismos vivos, nunca estão concluídas e a forma como as pessoas as vivenciam são, por vezes, surpreendentes. Estas intervenções nunca são consensuais, mas acabam por ter o mérito de colocar as pessoas a refletir sobre a sua cidade. Quanto aos turistas, especificamente, não me parece que se devam tomar opções priorizando constantemente o turismo, apesar deste ter um papel importante.
Jornal Moliceiro: Acha que justifica o valor de 240 000€ investidos no monumento?
Jorge Pedro: Existe um enorme estigma quando se fala de dinheiro relativamente às artes e, facilmente, se geram críticas e controvérsias. Estas questões acabam por ser naturais numa sociedade que não valoriza a educação artística e na qual a iliteracia estética persiste. Para se fazer uma discussão séria sobre o valor em causa, teria de se analisar o investimento da Câmara Municipal nas diversas áreas e equacionar eventuais desequilíbrios. A opção em construir com blocos de calcário, procurando utilizar-se um material distinto, acarreta custos. Não concordo totalmente com algumas opções desta intervenção, mas considero que é uma obra digna e culta.