A história de Aveiro é rica em mar, sal e… muralhas desaparecidas. Depois de meses de obras e trânsito cortado na rotunda junto à Sé de Aveiro, foi finalmente inaugurado, a 8 de dezembro de 2024, o monumento evocativo da muralha de Aveiro, num projeto da autoria do arquiteto Siza Vieira. Mas, até esse dia, poucos aveirenses suspeitavam que a cidade tinha tido uma muralha medieval. E, se nunca tivessem visto a gravura reproduzida abaixo, muitos acreditariam que nunca existira. Mas existiu! E teve uma vida bastante atribulada.

A construção das muralhas de Aveiro, descritas em documentos como “um simples muro de cerca de três metros de altura e pouco mais de um metro de largura, principalmente na parte alta da vila”, começou em 1418, sob a administração do Infante D. Pedro. Erguida no início do século XV, a muralha destinava-se a proteger a cidade de ameaças externas. No entanto, com o passar dos séculos, a sua função defensiva tornou-se obsoleta.
No início do século XIX, Aveiro enfrentava problemas bem mais graves do que qualquer ameaça militar: o assoreamento da barra, cujo fecho dificultava o escoamento das águas das cheias e comprometia a saúde pública e a economia local, já que impedia o cultivo de extensas áreas e o fabrico do sal, como também favorecia o desenvolvimento do paludismo, que ceifava vidas de forma impiedosa. Para resolver o problema, foi necessária a abertura de uma nova barra, permitindo a renovação das águas da ria e restabelecendo a navegabilidade. Sob a direção do engenheiro militar Reinaldo Oudinot e, posteriormente, do seu genro Luís Gomes de Carvalho, as obras culminaram na reabertura da barra a 3 de abril de 1808.
E onde é que entra a muralha nisto? Bem, com Aveiro em modo “engenharia de emergência”, os materiais da velha muralha foram reutilizados nas obras da barra. Afinal, para quê desperdiçar boas pedras se podiam servir para um propósito maior? Mas não ficou por aí! Parte da muralha também terá sido usada na construção da Escola Secundária de Homem Cristo. Talvez seja por isso que os alunos e professores por cá enfrentam testes tão duros – quando até as paredes foram treinadas para resistir, quem é que passa por elas sem dificuldade?
O curioso é que Aveiro apostou na reciclagem muito antes de ela ser ensinada nas escolas. Em vez de se transformar num testemunho intacto do passado, a muralha tornou-se parte ativa da evolução da cidade. Literalmente.
Até à recente construção do monumento evocativo da Porta do Sol, em frente à Sé, uma das oito portas da muralha de Aveiro, esta era mais uma lenda urbana do que uma estrutura tangível. Na verdade, hoje não haverá vestígios da muralha, mas a sua história está intrinsecamente ligada à resiliência e capacidade de adaptação dos aveirenses às transformações impostas pelo tempo e pela natureza. Por isso, quando alguém perguntar “Onde para a muralha?”, já sabes.
Professora Teresa Rino, Clube de Jornalismo
Webgrafia:
1 Patrimónios – n.º 1, Abril 2001, ano XXII, 2ª série, 160 páginas.
https://coisasacademicas.com/2016/11/01/como-fazer-referencias-bibliograficas-e-webgraficas/ [março de 2025]
Breve histórias da barra de Aveiro, Francisco Ferreira Neves, Vol. 1, pp. 219-239.
http://ww3.aeje.pt/avcultur/AvCultur/ArkivDtA/Vol01/Vol01p219.htm [março de 2025]