Aventuras no Santuário Raio De Sol – O Resgate do Dusty

Aventuras no Santuário Raio De Sol – O Resgate do Dusty

Aventuras no Santuário Raio De Sol – O Resgate do Dusty 1920 1080 Agrupamento de Escolas de Aveiro

Foi então que tudo aconteceu…

Desculpem, nem me apresentei. Chamo-me Sílvia, tenho 22 anos e venho do universo 32, linha de tempo nº 1000 (nunca percebi porque é que as pessoas insistem em dizer o número da linha de tempo). Vivo num mundo incrível, com vários “habitats” muito diferentes e criaturas magníficas. Há uma vila situada num vale entre três montanhas. A montanha do sul é a “Montanha da Lua” (vá-se lá saber porquê), a do leste é a “Montanha Imponente” (talvez porque a montanha tem 10 Km), por fim, a mais bonita e venerada, a montanha situada a norte: a “Montanha do Sol”. Dizem que, antes de os universos serem criados, havia apenas duas criaturas: um dragão japonês imenso, com o poder de todos os elementos, e uma magnífica raposa de nove caudas que diziam ser capaz de criar vida até nos sítios mais inóspitos. Os dois viviam no vazio sob forma espiritual até decidirem que deviam criar mundos. E assim foi, mas no processo eles descobriram que, às vezes, havia problemas nos universos e nem eles podiam estar em todo o lado. Para resolver este problema, criaram várias criaturas com um poder tremendo para serem as guardiãs de pontos críticos e resolverem problemas que punham em risco os vários sistemas de universos. A mais famosa deste universo ou dimensão (não sei quanto a vocês, mas eu acho que fica melhor dimensão) é o fabuloso Dragão do Sol. Dizem que a cada ciclo, na época da festa em comemoração da criação do nosso sol, ele sai de uma estátua algures no cimo da montanha e desce à terra com todo o seu esplendor para dar início às festividades. Não sei se é verdade e tão cedo não vou descobrir. A festa acontece de 2000 em 2000 anos e a próxima é daqui a trinta. Se ainda cá estiver, ainda vejo esse dragão, com o seu brilho ofuscante, a voar sobre as casas da aldeia com as suas asas enormes e flamejantes. Mas voltando à aldeia, ela está situada num vale, como já disse, chamado “Vale Raio De Sol”, a aldeia chama-se “Aldeia Raio De Sol” e, nessa aldeia, há um santuário chamado (adivinhem só) “Santuário Raio De Sol” (quem é que dá o nome às coisas?) e é nesse santuário que trabalho. Tenho dois metros de altura, não me considero nem magra nem gorda. Tenho um cabelo encaracolado e castanho como o tronco de um alburoz-das-montanhas (árvore rara e protegida, não só pelos humanos, mas também pelos animais, com um tronco muito castanho que a Luana diz ser exatamente da cor de um “chocolate negro”, seja lá o que isso for) que à luz do sol fica com umas madeixas douradas. Os meus olhos são exatamente da mesma cor. Agora que já me apresentei, posso começar a minha história.

Sempre que vou trabalhar (o que é superdivertido, exceto quando é dia de limpezas; não suporto esse dia), vem-me à memória o meu primeiro dia no santuário.

O dia começou normal. Acordei com o canto melodioso do meu colibri-de-quatro-asas, o Freedom, que a Luana diz parecer-se com o som de uma coisa chamada camião dos bombeiros (se calhar são animais que eles também usam para se levantarem cedo). Abri os olhos e vi os raios de luz a atravessarem as minhas cortinas translúcidas e a entrarem no meu quarto.

— Mais cinco kguts — disse eu com preguiça (um kgut equivale a dois minutos no universo 17, que é o universo natal da Luana).

Então o Freedom fez o som característico de quando a sua espécie está impaciente, que a Luana diz parecer-se com o som de um tal martelo pneumático. Levantei-me a custo e a resmungar e abri a janela. Freedom observava-me atentamente e, assim que abri a janela, levantou voo, rápido como uma flecha, para fora do meu quarto, fazendo um estrondo com o bater das suas quatro asas.

— Diverte-te, bruto — resmunguei.

Desci as escadas até chegar a um corredor. Atravessei-o com um ar carrancudo. Quando cheguei ao final, abri a porta à minha frente. De repente, fui atacada por uma pequena criatura. Tinha o pescoço comprido, um tronco rechonchudo e umas patas parecidas com pilares. Tinha lã nas patas e na ponta da cauda. Era azul e a lã branca. Chama-se Tickles e é o meu patinhas de lã (é surdo, por isso, tenho de ficar com ele. Podia explicar como nos conhecemos, mas é outra história e daqui a bocado o intervalo para almoço acaba, por isso…). Ele olhava para mim, suplicando por comida. Fui ao armário e constatei, com surpresa, que os mosquitos-lótus, o alimento favorito dos patinhas de lã, tinham acabado. Então, meti um punhado de lesmas-vampiro na taça. Ele pôs-se a olhar para mim com uma expressão estranha.

— Não olhes assim para mim. Se não tivesses enfardado os mosquitos todos mal saímos da loja, isto não acontecia — ralhei.

Apesar de não ouvir, o Tickles lê lábios, por isso, percebe o que eu digo. Ele ainda me olhou com cara de mau mais algum tempo, antes de enfiar a cabeça na taça.

Fui para a mesa e comecei a fazer o meu pequeno-almoço. Quando acabei, fui sentar-me no sofá. No preciso momento em que eu me ia sentar, a campainha tocou. Fiquei fula. Mesmo assim, abri a porta com cara amigável e vi o Henrique, um simpático gigante de quatro metros de altura.

— Henrique? — perguntei — O que estás aqui a fazer?

— Vim só entregar o correio — disse ele, estendendo-me uma carta.

— Então sempre te aceitaram como carteiro? Parabéns! — felicitei-o.

— Obrigado — agradeceu ele. — Desculpa acabar a conversa por aqui, mas tenho trabalho para fazer.

— Então adeus.

— Adeus.

Acenei até ele desaparecer e fechei a porta. Olhei para a carta. Tinha sido enviada pelo santuário. A minha respiração tornou-se ofegante. O “suspense” fazia o meu coração andar a mil. Abri a carta. Lia-a para dentro. De repente, os meus olhos iluminaram-se de alegria. A euforia tomava todo o meu corpo. Agarrei o Tickles, que ainda estava de focinho colado à taça, e abracei-o com um bocadinho de força a mais. Ele ficou um bocado atordoado e, depois de recuperar, mordeu-me. Ele não tinha muita força, mas percebi a mensagem à mesma. Larguei-o com jeitinho e ia a abrir a porta quando ele me deu uma marradinha.

— O que foi? — perguntei-lhe.

Depois vi que ainda estava de pijama.

— Oh, pois é. Obrigado, Tickles.

Fui o mais rapidamente que consegui para o meu quarto. Depois de vestir uma roupa adequada, desci a aldeia até chegar à praça. Olhei para norte e ali estava ele. Escavado na rocha, o santuário é o mais antigo edifício da aldeia. Subi a extensa escadaria e atravessei o enorme triângulo suportado por quatro colunas e que ao centro tinha uma estátua de dragão. Lá dentro, encontrei uma ampla galeria com uma estátua de dragão no centro e gravuras das mais diferentes criaturas desta dimensão. Umas bastante familiares e outras que não sabia existirem. Fui à receção e encontrei lá uma simpática senhora de idade que se dispôs a dar-me instruções para encontrar a sala de reuniões. Passei por vários corredores e salas. Aquele sítio era labiríntico. Sem querer, fui de encontro a um homem (literalmente). Esse homem era Noé, que era e continua a ser o capitão da equipa de resgate de que faço parte. Ele ajudou-me a localizar-me dentro do vasto edifício e mostrou-me tudo o que havia para ver. A cantina, a sala de reuniões, o hospital, os recintos de reprodução e as jaulas de ambiente controlado para animais em recuperação e até mesmo uma academia para formar jovens membros da equipa de resgate. Assim que a visita guiada acabou, o alarme de missão urgente tocou. Fomos todos a correr para a sala de reuniões. Ao que parecia, uma cria de armalodonte-couraça-espinhosa-tripla encalhou enquanto brincava. Não havia tempo a perder. O Noé disse-me então:

— Esta pode ser a tua primeira missão. Aceitas?

— Claro! — respondi imediatamente.

O resto foi tudo tão rápido que não me consigo lembrar de todos os detalhes. Lembro-me de atravessarmos uma cordilheira muito íngreme, de fugirmos o mais rapidamente possível de um ninho de vespas-rinoceronte, de finalmente chegarmos a um lago gigantesco de águas verde-esmeralda, de conseguirmos desencalhar a cria, de a mãe fazer um som parecido com o de um martelo a bater na madeira (que é o som que a espécie dela faz quando está feliz) e de me deixarem dar um nome ao bebé. Chamei-lhe Dusty, é comum quando salvamos um animal darmos-lhe um nome.

— Sílvia! — chamou o Noé com um tom severo.

— Desculpa — disse eu com um tom nervoso. — Tu sabes como é que eu sou.

O Noé era um homem 50 cm mais pequeno que eu e conseguia intimidar sempre quando ralhava! Tinha olhos verdes como musgo e cabelo grisalho. Tinha uma barriga um bocado grande; estava a ficar velho.

— Os jovens deste tempo! — continuou o Noé — No meu tempo…

— Luana! — gritei (acho até que alto demais).

À minha frente estava uma rapariga de cabelo louro comprido e olhos azul-safira penetrantes. Era da mesma equipa de resgate que eu, mas era de outra dimensão. Tal como eu, hoje tem 22 anos, mas naquela altura tínhamos 20. Ela tinha passado três meses na dimensão natal dela, agora que tinha voltado eu estava muito feliz.

— Sabiam que é falta de respeito interromper as pessoas? — O Noé estava a começar a ficar vermelho de raiva.

— Desculpa, Noé — disse eu. — Mas não via a Luana há três meses.

De repente, sem que nada o pudesse prever, um alarme soou. Fomos a correr para a sala de reuniões onde estavam a ser exibidas as informações da missão. Um armalodonte-couraça-espinhosa-tripla estava doente. Tínhamos de nos despachar antes que a doença se propagasse e aniquilasse o ecossistema.

— Ainda agora cheguei e já tenho de trabalhar?! — resmungou a Luana, que às vezes é resmungona.

— Temos de nos despachar! — exclamou o Noé.

— Mas para irmos para o lago espinhoso temos de passar pelo vale jurássico. E se encontrarmos um T-Rex? — disse eu, deixando escapar o meu nervosismo.

— Enfrentas um espinhodonte e tens medo de um T-Rex? — perguntou ele. — Sinceramente não te compreendo.

— É complicado, um dia explico-te.

— Esperem! Os dinossauros existem nesta dimensão? — inquiriu a Luana de queixo caído.

— Claro que existem. Até te podia dar uma lista. Tem o estegossauro, o kentrossauro…

— Desculpem interromper o clube dos dinossauros, mas temos uma missão, lembram-se? — reclamou o Noé. — E não te preocupes, Sílvia, que vamos num quetzalcoatl.

— Tens um quetzalcoatlus? Que fixe! — disse eu.

— Quetquê? — questionou a Luana, confusa.

— Não. Tenho um quetzalcoatl. TL, percebes? — esclareceu o Noé.

— Então, se este assunto está encerrado, vamos ter com quetqualquercoisa e resolver o problema do não sei quê. — A Luana estava com uma pressa tremenda!

Atravessámos o santuário todo até que chegámos a uma escada de pedra em espiral que subia. Subimo-la o mais rapidamente que pudemos e chegámos a uma galeria com estalactites e algumas colunas. Aí, descansavam inúmeras criaturas voadoras: desde dragões até libélulas gigantescas. Até vi um espigão-mortal, um dos dragões mais difíceis de domesticar.

Na galeria, havia uma cavidade que levava ao exterior.

— Muito bem. Qual destes é o quetcoisa? — quis saber a Luana.

— Segue-me, já o vi. É lindo! — avisei eu.

Fomos a correr para perto de uma enorme serpente alada. Era linda. Era dourada, com asas brancas enormes e uma espécie de elmo na cabeça.

— É… grande! — via-se claramente que o animal assustava a Luana, apesar dos seus esforços por ficar calma. — Tens a certeza de que ele não nos vai comer?

— Ela não nos vai comer, não — tranquilizei-a.— Acho eu.

— Vão subir ou não? — perguntou o Noé do cimo da serpente.

— Ou não— brinquei eu.

— Não consegues ficar séria pelo menos numa missão? — ralhou o Noé.

— Não, desculpa.

Depois de subirmos, o Noé deu ordens à serpente, que levantou voo. A viagem durou pelo menos quinze minutos.

A certa altura, olhei para baixo e vi uma enorme floresta constituída essencialmente por coníferas. “Ainda não é desta que me vou deparar com um T-Rex. Descansa pai”, pensei.

— Sílvia, estás bem? — A Luana olhava para mim com preocupação. — Parecias triste.

— Não é nada. — disse eu.

— Vai haver uma tempestade! Vamos ter de aterrar no sopé da montanha — avisou o Noé.

Eu e a Luana olhámos para a nossa frente. Uma enorme cordilheira muito irregular estendia-se à nossa frente como um muro. Os penedos tinham forma de espinhos, o que tornava impossível para uma serpente daquele tamanho aterrar ali. Por cima da cordilheira, enormes nuvens verde muito escuro juntavam-se.

Aterrámos no sopé da cordilheira e, depois de o Noé dizer qualquer coisa ao quetzalcoatl, começámos a escalada. Depois de um grande esforço, vimos um vale coberto por enormes espinhos, como uma espécie de telhado com muitos buracos. Descemos até ao vale e começámos a percorrê-lo. De repente, ouviu-se um enorme estrondo. Aproximava-se cada vez mais até que conseguimos vislumbrar ao longe uma enorme manada de espinhodontes que se aproximava a passo rápido. Não demoraram muito a alcançar-nos. Eram negros como a rocha que os rodeava, tinham quatro metros de altura, estavam cobertos de espinhos de pelo menos um metro e dentes de sabre. A manada olhou para nós antes de um rugido forte se ouvir. Um espinhodonte maior do que os outros surgiu. Tinha quatro dentes de sabre e garras de um metro. Depois de um tempo a olhar para nós, começou a bater com tanta força no chão com as patas dianteiras que ele começou a tremer. Então, o Noé chegou-se à frente.

— O que se passa? — inquiriu a Luana.

— Ele desafiou-nos. Agora estamos a ver quem é que vai concorrer com ele — esclareci.

O alfa, depois de fitar o Noé por uns segundos, começou a rosnar muito levezinho.

— Ele está a ronronar? — perguntou a Luana.

O Noé voltou para junto de nós e fez sinal à Luana para ir para a frente. O alfa fez o mesmo som. Só faltava eu. Cheguei-me à frente e, então, o alfa fez um som que parecia uma porta a ranger.

— O que aconteceu? — quis saber a Luana.

— O alfa desafiou a Sílvia — esclareceu o Noé.

— Então e se ela recusar?

— A manada não nos deixa passar.

— Não podemos ajudá-la?

— Se interferirmos, era como se ela perdesse.

Tanto a manada, como os meus colegas se afastaram, fazendo um círculo. As regras eram simples. O primeiro a cair perdia. Felizmente para mim, não valia matar o adversário. O espinhodonte alfa olhou para mim e inclinou a cabeça um bocadinho para a direita. De repente, disparou na minha direção. Estava longe, por isso não me atrapalhei. Ele aproximava-se e estava cada vez mais perto até que…

— Sílvia, cuidado! — gritou a Luana.

— Chiu! Vais distraí-la — repreendeu-a o Noé.

Antes da colisão, eu desviei-me para a esquerda e ele bateu numa rocha, partindo-a e caindo no chão. Levantou-se quase imediatamente e, cambaleando, virou-se para mim. Inclinou a cabeça para a esquerda e foi contra mim. Outra vez, eu desviei-me, mas desta vez foi para a direita. Ele bateu noutra rocha, mas desta vez ficou caído no chão. Quando conseguiu levantar-se, ele fez sinal à manada e ela abriu caminho. Então, eu bati com os pés no chão de uma forma gentil (é um gesto de respeito pelo adversário, como uma vénia no karaté) e seguimos caminho:

— Muito bem, Sílvia. Eu sabia que eras capaz de fazer isto … outra vez — felicitou-me o Noé.

— Espera, já fizeste isto antes? — inquiriu a Luana, de queixo caído.

— É a quarta vez que faço isto com o Max — respondi eu.

— E tu conheces aquele bicho?

De repente, o Noé exclamou:

— Depressa! Escondam-se atrás daquelas rochas.

Sem pensar, nós escondemo-nos atrás de umas rochas que estavam no caminho e espreitámos. Um ninho de vespas rinocerontes estava ao nosso lado. O ninho tinha vinte metros de altura. Felizmente, por causa da tempestade, todas as vespas se encontravam no interior do ninho. Avançámos, tentando fazer o menor ruído possível. Passado algum tempo, vimos um nevoeiro verde-tóxico pestilento. Estávamos a entrar no pântano tóxico. Olhámos para cima. As nuvens estavam verde-tóxicas e começava a haver trovões verdes. Era melhor despacharmo-nos. O pântano tóxico era um sítio sinistro. Em vez de água, havia ácido no chão. As árvores eram gigantescas e o nevoeiro não desaparecia. Chegou ao ponto de nem sequer conseguirmos ver-nos uns aos outros. De repente, um vento muito forte dissipou o nevoeiro. Um enorme par de asas batia freneticamente.

— O que é … aquilo? — perguntou a Luana, transida de medo.

— Uma borboleta-dragão-ácida! — exclamei eu — Isto seria bestial se ela não nos quisesse comer.

A borboleta era vermelha com riscas pretas. Tinha três metros de altura, um ferrão gigante na cauda e asas negras com padrão de ossos cruzados. Olhava para nós com ferocidade e parecia pronta a atacar a qualquer momento. Da sua boca, escorria um líquido verde.

— Depressa, tirem as vossas lanternas — ordenou o Noé.

Sem perder tempo, tirámos as nossas lanternas de bolso e apontámos a luz que emitiam para a cara da borboleta. Ela fez um som horrível antes de desaparecer no nevoeiro a alta velocidade.

— Como é que uma luzinha assustou um mostrengo daquele tamanho? — questionou a Luana.

— Aqueles bichos são noturnos e muito sensíveis à luz. Só saem à noite ou durante uma tempestade — esclareci eu.

Corremos a contrarrelógio até que saímos do pântano e chegámos a um lago rodeado de areia vulcânica. Na margem da água, havia uma jangada. Ouvimos um estrondo súbito e começou a chover ácido por cima do pântano. Se tivéssemos demorado mais, teríamos ficado com queimaduras horríveis.

Subimos à jangada e remámos. O lago era imenso, com água verde-esmeralda que refulgia à luz do sol e aparentava uma doce calma.

— Vamos ter de mergulhar — disse o Noé, constatando o óbvio.

— Quanto tempo aguentas debaixo de água? — quis saber a Luana.

— Não muito. Uns vinte minutos — respondi eu.

— Vinte minutos?! — perguntou a Luana, incrédula.

— O meu bisavô era um homem peixe; sou a que menos aguenta da minha família.

— Então e o Noé? Quer dizer, ele é velhote.

— Para tua informação, eu sou um metamorfo. Posso passar dias debaixo de água se quiser. Agora ficas aqui enquanto eu e a Sílvia vamos lá abaixo — ralhou o Noé, claramente ofendido.

Quando ele mergulhou, dirigi-me à Luana e trocei dela:

— Levaste um sermão do Noé!

— Ah, ah. Que engraçadinha. Mas olha, não tinhas de ajudar o Noé?

— Já vou.

E mergulhei. O fundo do lago estava coberto de rochas em forma de espinho de todos os tamanhos. Procurámos durante uns quarenta minutos (claro que eu emergia para respirar, mas o Noé parecia tão confortável como em terra) até que vimos o armalodonte. Um bicho de um metro e meio com uma armadura que deixava apenas a boca e as barbatanas desprotegidas. Tinha quatro pares de olhos e olhava para nós com um ar doentio. Reconheci-o imediatamente. “Dusty“, pensei eu.

— Ei, olha, é o Dusty! — exclamou o Noé (ainda estou para saber como é que ele consegue aquela dádiva de falar debaixo de água).

Com esforço, levámo-lo para a superfície. A Luana, que estava a cantarolar uma canção, viu-nos e remou até nós. Pusemos o Dusty em cima da jangada, que se afundou um pouco, e descansámos por uns segundinhos.

— Então é este o bicho que viemos salvar? — perguntou a Luana. — Deve um bocadinho à beleza.

— Não fales assim do Dusty. E já agora fui eu que lhe dei o nome. Resgatei-o quando era uma cria — ralhei eu.

— Porque é que lhe chamaste Dusty? — perguntou a Luana.

— Olha para a carapaça. Tem a cor da areia. Agora, pára de fazer perguntas parvas e rema até à margem.

Remámos durante algum tempo até que avistámos uma barbatana dorsal na superfície.

— Uma piranha-tripla! Eu distraio-a enquanto vocês levam a jangada até à margem — disse eu.

— Está fora de questão! Não vou permitir que … — proibiu o Noé.

Mas eu já tinha mergulhado.

— Estão a gozar comigo? Se ela voltar, vai ouvir das boas.

Entretanto, no fundo do lago (e a salvo dos ralhetes do Noé), eu tentava encontrar a piranha. O enorme peixe de três metros e três cabeças apareceu de repente, investindo contra mim. Na esperança de me salvar, eu mergulhei ainda mais. Enquanto me seguia, a piranha bateu contra uma das rochas em forma de espinho, que se partiu em bocados. Um desses fragmentos bateu-me na cabeça e deixou-me inconsciente. Eu flutuava indefesa e a piranha preparava-se para me devorar. Estava muito perto e…

— Ela já devia ter emergido — constatou a Luana.

— Pois é — concordou o Noé. — Aquela inconsciente já devia ter voltado.

De repente, a mãe do Dusty emergiu num salto comigo no focinho. Com uma velocidade estonteante, ela tinha-me salvado do peixe gigante. Meteu-me na jangada e, a toda a velocidade, empurrou-a para a margem. Depois desapareceu, fazendo um som que a Luana disse ser igual ao de um elepante ou lá o que ela disse. Entretanto, recuperei os sentidos e perguntei:

— O que aconteceu?

— O que aconteceu foi que tu me desobedeceste e, se não fosse a mãe do Dusty, tu serias comida para peixe — ralhou o Noé.

— Também estou feliz por te ver — retorqui eu.

De súbito, um rugido forte interrompeu-nos. Quando olhámos, vimos o quetzalcoatl parado, a olhar para nós.

— Como é que ele veio aqui parar? — perguntou-se o Noé.

— Não interessa, vamos voltar ao santuário.

Amarrámos o Dusty ao quetzalcoatl e fomos o resto do caminho a voar. A tempestade tinha passado e a serpente já conseguia usar as correntes de ar para se elevar acima das montanhas. Quando chegámos, fomos a toda a velocidade com o Dusty para o hospital. Pusemo-lo num aquário e umas sereias apressaram-se a examiná-lo.

— Sílvia, anda. Não podemos ficar aqui — disse o Noé.

Anuí com a cabeça. O Dusty percebeu que ia embora e ficou aflito.

— Não te preocupes, rapaz — tranquilizei-o eu. — Eu volto.

Depois, saí dali com o Noé e a Luana.

Eu estava a olhar para o sol a pôr-se no cimo da minha casa da árvore quando a Luana apareceu e me perguntou:

— Posso subir?

Acenei que sim com a cabeça.

— Foi um dia e tanto, não foi?

— Pois, acho que sim — disse eu.

— Sabes que tens umas coisas a brilhar no lago, não sabes?

— Não te preocupes, são só peixes borboleta.

— Já tinha saudades disto.

— Disto o quê?

— Desta dimensão maluca.

— Pensei que detestavas tudo e querias ir embora.

— Pois… isso foi antes de vos deixar. Claro que foi bom ver a minha família outra vez. Foram três semanas incríveis!

— Três semanas?! Passaram-se três meses!

— Já te esqueceste das diferenças temporais entre dimensões?

— Pois é, tinha-me esquecido.

Ficámos em silêncio por um momento, observando o sol a desaparecer num espetáculo de laranja e cor-de-rosa. De repente, perguntei:

— Achas que, um dia, posso ir para a tua dimensão?

— Claro, mas vou ter de te ensinar umas coisinhas primeiro antes de ires lá, para não passares por doida.

— O que é que eu tenho de doida?

— Nada, esquece.

— Se fosse para a tua dimensão, podia conhecer a tua família, amigos e ver com os meus próprios olhos uma girafa!

— Só mesmo tu para ficares ansiosa com uma girafa.

Mais uma vez ficámos em silêncio.

— Bem, tenho de ir para casa — disse a Luana quebrando o silêncio. — Vejo-te amanhã?

— Claro, não estou a pensar em fazer gazeta.

— Mesmo que seja dia de limpezas?

— Bem, talvez amanhã eu tenha gripe de nariz escarlate.

— Tu nunca mudas! Então até amanhã. — despediu-se a Luana, descendo da árvore.

— Até amanhã! E não sejas comida por um sapo-de-patas-azuis-gigante!

— Há “chances” de isso acontecer aqui? — gritou a Luana do portão da minha casa.

— Não — menti.

Observei-a a afastar-se até desaparecer. Desci da árvore e entrei em casa. Tickles já estava na sua cama para gatos, deitado e a ressonar. Fui para o meu quarto e vi que Freedom já estava no seu poleiro. Fechei a janela (não queria mosquitos trovão dentro de casa) e deitei-me na cama. Acabei por deslizar para o sono enquanto pensava que aventuras me esperavam amanhã.

 

Sílvia Marques Silva, 12º B

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